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9.4.07

A Garotada Pertuba a Mídia no Orkut

Saiu a matéria do JB sobre a garotada que usa o Orkut. A Juliana da Rocha me ligou e pediu pra que eu respondesse umas perguntas q me mandou por e-mail. Usou um pouquinho na matéria. Vou publicar tudo aqui. É o mínimo q eu posso fazer pela garotada que começa a enfrentar a caretice familiar alavancada pelo cinismo da mídia de massa nestas plagas.

1) O que leva adolescentes a revelarem detalhes algumas vezes vexatórios - como excessos com bebida, drogas e sexo - no Orkut?

Acho que a sensação de que aquilo vai ficar restrito ao circulo dos amigos, ou porque, sendo altamente oscilantes em sua afetividade e em sua química geral, de repente acham o máximo exibir algo sem ter uma noção muito clara das conseqüências. Acho também que os adolescentes atuais mudaram um bocado com relação aos adolescentes antigos e a história de cada um não é muito importante, a impressão que dá é a de que o perfil pode ser apagado e daqui a pouco ninguém mais vai se lembrar.

2) Como avalia essa prática de exposição na rede social? Como o revelar desses detalhes ajuda especialmente adolescentes a construir sua identidade?

Acho que estas exibições funcionam mais como experiências na esfera da audiência e teste na opinião de um público. Você sempre pode alterar seu perfil, ou criar outro perfil ou eliminar um perfil mal sucedido. Por outro lado, a rede social como o blog funciona como falar dos problemas com o motorista de taxi. A maioria não espera que ninguém além de um pequeno circulo de amigos vai dar atenção ao que esta sendo mostrado. O problema é a mídia focar aquilo e dar uma grande publicidade. Blog e rede social é um tipo diferente de conhecimento e informação. É o que o filósofo Espinosa chamava de conhecimento do terceiro gênero; um conhecimento intuitivo e afetivo onde você fala de seu mundo próprio e de sua afetividade. Esse tipo de conhecimento se transforma completamente quando transferido para a mídia de massa onde ele vai ganhar a face do preconceito e do julgamento moral.

3) Qual novidade o Orkut acrescentou ao processo? Como essa afirmação mudou antes e depois do Orkut?

Quando você conversava com uma turminha na adolescência em uma esquina qualquer a maior parte destas confidências podiam ficar resguardadas na memória destes amigos e mais tarde na certeza de seu esquecimento. O orkut possibilita a transformação deste material em notícia, levando os 15 minutos de fama para a vida deste adolescente. Por outro lado mostra pela diversidade de perfis e de grupos que cada um desenvolve esse desprezo pela história pessoal e pela identidade única. Os perfis valem pelo show que dão e são facilmente elimináveis pelo esquecimento.

4) Quais os benefícios que a rede social Orkut trouxe para essa construção de identidade, para a narrativa sobre si mesmo?

Acho que ela permite variar e diversificar os grupos, garantindo um relativo anonimato nessa imensa variedade de perfis e grupos. Esse si mesmo se narra diferentemente na vizinhança dos diferentes grupos em que o pertencimento é buscado e nas ações que os perfis desenvolvem. Uma das coisas que chamam a atenção é o gosto pelo apagamento dos perfis. O perfil se orkuticida e depois de algum tempo volta construindo novos grupos e novos nexos. Este si mesmo parece se narrar em função de coletivos que freqüenta e eventos que promove ou participa.

5) E quais os problemas?

Vários. Tem, por exemplo, o caso do jovem Brandon. Ele tinha um perfil chamado Ripper que freqüentava uma sala de chat com outros perfis jovens e ficavam competindo sobre drogas farmacêuticas ou não que consumiam. Um dia o Ripper resolveu barbarizar e ligou um canal de webcam onde nu e com a mesa abarrotada de drogas de todo tipo resolveu se exibir para o coletivo. Detonou todas e lá pras tantas mandou: Eu disse que eu sou barra pesada! Minutos depois ele morria. Se um jovem deste fosse das antigas, a zorra dele e dos amigos no quarto teria impedido isto de ir tão longe; e mesmo que fosse os amigos iam poder chamar uma ambulância. Mas a farra no coletivo virtual deixou todo mundo de mãos atadas sem saber o que fazer. Ninguém sabia de verdade quem era Ripper, qual seu telefone ou endereço. Por outro lado hoje ninguém fica marcado por coisas que faz. Não há mais o exame que constrói um histórico para dizer quem você é em função dos resultados. Há maior plasticidade pois o registro se preocupa em recolher os padrões das decisões e ações para adivinhar como um perfil vai agir numa situação dada qualquer.

6) Há diferenças entre o que é revelado e onde é revelado? Como se concilia a pressão e o desejo por ser descolado e passar essa imagem a uma rede de possíveis (futuros) conhecidos com a cobrança dos amigos pela discrição ou pela sinceridade no preenchimento do formulário do Orkut?

Não acho que seja tão dramático. Adolescente sempre mentiu muito, fantasiou muito e os grupos adolescentes lidam bem com isso. Mesmo a exposição na mídia de massa pode ser algo relativamente indolor. Pode tanto ser o trampolim para uma carreira artística quanto uma experiência que acrescenta algo que o perfil pode usar. O fato é que a sinceridade parece ser de ocasião; seja porque o adolescente esta num grupo puramente virtual protegido por um anonimato - como a turma que ia para os postos de gasolina, entravam em carros desconhecidos e iam para festas ficar com um monte de gente; coisa que não faziam no circulo das amizades escolares ou familiares -; seja porque o grupo pequeno e restrito de uma comunidade qualquer não pareça ser um lugar onde o que se diz vá despertar atenção geral. Como eu disse, são milhões de perfis e milhões de pequenos grupos.

7) Quanto desses relatos são verdadeiros? Pais e autoridades devem se preocupar com confissões feitas no Orkut ou a maior parte é apenas falácia?

Quem ainda se lembra da própria adolescência sabe a quantidade de estória que se inventa pelos motivos mais estranhos e irracionais. Fazer grandes alaridos disto só se explica por sensacionalismo. Teve um momento em que as autoridades pareciam mais interessadas em pendurar uma melancia no pescoço do que em tratar com seriedade os crimes de sua alçada. Culpavam a comunidade que tinha a afirmação de dirigirem bêbados por um desastre provocado por um jovem motorista bêbado. O que se escreve em blog ou em interface de rede social está muito mais próximo da literatura, e se eu crio uma comunidade intitulada "eu atropelo velhinhas" só um débil mental julgaria que o grupo é de assassinos de senhoras idosas. Não é uma escrita noticiosa, mas algo um tanto literário e fantasioso que procura dar contas dos diferentes afetos que atravessam os jovens.

8) O Orkut é muitas vezes acusado de não colaborar com a Justiça e de permitir a veiculação de informações que promovem e incentivam a pornografia, o crime e o abuso de drogas. Acredita que a tecnologia deveria ser adaptada - e de que forma - para conter a superexposição - exigindo por exemplo uma confirmação de que se é maior de 18 anos para entrar em determinadas comunidades ou criando "flags" para os conteúdos?

Eu fico me perguntando o quanto essa opinião pode ser levada a sério. Ou melhor, a`mídia de massa espernearia se tentassem lhe imputar essa imagem, embora sua programação seja muito mais promotora de crime, drogas e pornografia; mas como o Orkut esta roubando o público das TVs, esses mesmos canais ficam cinicamente tentando eliminar a concorrência excitando os oficiais de justiça e os formadores de opinião. E porque não bloquear a entrada da imagem nos canais de TV e só permiti-la depois que aquele que esta assistindo preencher um longo formulário em três vias?

9) Recentemente uma brasileira chamada Ana Ferreira vendeu uma foto em que aparecia sendo abraçada de modo nem tão inocente pelo príncipe William. No Orkut, a estudante chegou a mencionar as vantagens obtidas com a venda da foto. Depois, arrependida, retirou o perfil do ar. Esse tipo de conduta é comum? O que revela sobre os usos da tecnologia das redes sociais?

Ela conversava com a turma dela. Quando a mídia de massa lançou sua luz sobre isso ela ficou exposta e o que ela mostrava e dizia passou a ser julgado preconceituosamente. Ela apagou o perfil. Daqui a pouco pode voltar com outro e todo mundo já esqueceu o episódio. Fico me perguntando que garota não contaria para as amigas que um príncipe pusera a mão em seus seios. Tem gente que "mataria" para ter um assunto destes para contar para as amigas. Com foto melhor ainda. É a prova de que foi verdade. Material manipulado por príncipe ganha um alto valor no mercado do status e da inveja.

3 comentários:

João Carlos Caribé disse...

Muito bom, lúcido e esclarecedor. Curioso é como a entrevista é desenvolvida e como ela é publicada, diferente né?

Mas esta manipulação é mais um sintoma da extinção dos dinossauros, os dinossauros serão extintos,os sinais estão por toda parte.

Anônimo disse...

Gostei muito da entrevista. Engraçado como alguns anos passam e ja nao conseguimos entender quem nasceu depois.
Estou fazendo um trabalho de faculdade sobre um tema proximo...Crianças no orkut. Se vc tiver alguma indicaçao, por favor, me passe.
Um abraço,
Bernardo

Evaldo disse...

Interessante ler o que vc respondeu, na íntegra, e o que a jornalista publicou: fragmentando várias opiniões, gerando um outro tipo de informação. Acho que o resultado foi bom, mas é a versão da jornalista, com o olhar e o filtro dela.

Creio que a mídia tradicional está em crise por exemplos como este, não estamos mais prisioneiros das versões da grande imprensa e os conteúdos produzidos estão todos por aí, basta procurar. É a revolução do 3° genêro do conhecimento!